quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Como cooperações do Capitalismo Financeiro destroem a Humanidade

As crises das dividas públicas se devem a corrupção entre pessoas gananciosas, políticos profissionais (politiqueiros), cooperações financeiras e governantes, destroem países, arruínam vidas, assassinam o futuro para a esperança da Humanidade e Democracia.
Estas cooperações do Capitalismo Financeiros usam influência nos cargos dirigentes de principais instituições internacionais e nacionais, para influenciarem os mercados financeiros, à custa de mentiras. Sem vergonha sem decência, sem respeito pelos principais princípios humanos. Decidiram ganhar dinheiro à custa de criar crises de forma a desbaratar todas as forças econômicas nacionais e ao mesmo tempo desviar os Tesouros nacionais.
A situação chegou a um ponto que este negócio vergonhoso e impune poderá criar uma vagas de guerras internacionais e nacionais. Mais um apocalipse.
Para salvar a Humanidade é essencial e urgente combater o domínio e descontrolo das forças que comandam o Capitalismo Financeiro.
O mundo caminha para a desgraça porque as sociedades vivem nos pecados mortais. Destaco, a Vaidade, a Inveja, a Gula, a Ganância, a Luxuria.
As Democracias que tenham por objetivo o Bem Social, não podem permitir serem influenciadas. Os cidadãos devem fazer politica e tomar as ações para escorraçar os Executores de "vidas" do poder e os governos dos países livres devem combater os criminosos impunes que são a causa de tanta desgraça.
Quanto mais tarde, maior será o problema e a devastação.
Documentário acerca da Goldman Sachs http://www.youtube.com/watch?v=lBeWZklPWmQ

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Basta!

Se os portugueses permitirem que continue este rumo do Governo do país, saibam que serão responsáveis pela morte, miséria e sofrimento dos seus pares, o fim de um país. Ser patriota não é defender uma bandeira, não é defender uma seleção, não é dizer palavras bonitas. Ser patriota é lutar ao lado dos seus pares, pela defesa do direito à vida com dignidade de todos! Todas as nações que se deixam governar pelo medo, pela intimidação, deixam de existir como tal!
Nos quase 900 anos de história, o que nos fez continuar a existir foi exatamente resistir até ao limite e foram várias as vezes que provamos que afinal havia outro caminho. Passamos por mais um desses momentos e está a chegar o momento em que estará nas mãos de cada um de nós, os que defendem um Portugal livre e justo para todos os portugueses, se continuaremos como nação ou passaremos a ser um protetorado, pasto para organizações multinacionais explorarem o nosso povo. 
Medo é para os fracos e deles não reza a história!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Maquinaria e Trabalho Vivo (Os Efeitos da Mecanização Sobre o Trabalhador) Karl Marx 1861-1863

Maquinaria e Trabalho Vivo
(Os Efeitos da Mecanização Sobre o Trabalhador)

Karl Marx

1861-1863


Fonte: Revista Crítica Marxista. Extraído de "Zur Kritik der Politischen Okonomie (Manuskript 1861-1863)", MEGA, 11, 3.6, Berlim, 1982, pp. 2053-59. Traduzido do original alemão por Jesus I. Ranieri.
Transcrição: Diego Grossi Pacheco.
HTML: Fernando A. S. Araújo, Agosto 2008.


Duas são as questões que temos a examinar.

Primeira, em que medida se distinguem os efeitos da maquinaria daqueles da divisão do trabalho e da cooperação simples.

Segunda, os efeitos da maquinaria sobre os trabalhadores que ela mesma elimina e substitui.

É a forma social de toda combinação do trabalho o fator característico geral do desenvolvimento da produção capitalista; característica que abrevia o tempo necessário para a produção de mercadorias, ao mesmo tempo em que diminui a massa de trabalhadores (assim como da mais-valia) para um quantum determinado de mercadorias produzidas. Mas é apenas na maquinaria, e no emprego do novo sistema de máquinas sobre o qual se funda a mecanização das oficinas, que a substituição do trabalhador por uma parte do capital constante (aquela parte do produto do trabalho que se toma novamente meio de trabalho) se coloca, produzindo genericamente um excedente de trabalhadores como tendência expressa e apreensível, que atua e se estabelece em larga escala. O trabalho passado surge aqui como meio para substituir o trabalho vivo ou como aquele meio de fazer diminuir o número de trabalhadores. Esta diminuição do trabalho humano aparece como especulação capitalista, como meio para aumentar a mais-valia.

De fato, isso só tem lugar na medida em que na maquinaria as mercadorias produzidas existem tanto como meio de subsistência para o consumo do próprio trabalhador, quanto como aqueles elementos para a formação e reprodução de sua capacidade de trabalho (Arbeitsvermogens)(2). Assim, o valor individual das mercadorias produzidas pela introdução geral da maquinaria //1258/ põe-se diferentemente de seu valor social, e os capitalistas tomados isoladamente apropriam-se da parte referente a esta diferença. Aqui aparece a tendência geral da produção capitalista tomada em todos os seus ramos produtivos: o trabalho humano substituído pela máquina.

É primeiramente junto à maquinaria que o trabalhador luta de imediato contra a força produtiva desenvolvida pelo capital como sendo aquele princípio antagónico fundado no trabalhador mesmo — o trabalho vivo. A destruição das máquinas e a oposição geral, por parte dos trabalhadores, à introdução da maquinaria é a primeira expressão esclarecida de luta contra a produção capitalista desenvolvida, tanto como modo, quanto como meio de produção. Nada há que se assemelhe a isto na cooperação simples e na divisão do trabalho. Ao contrário, a divisão do trabalho no interior da manufactura reproduzia de forma mais ou menos geral a divisão de trabalho entre os diferentes ofícios. A única oposição que aqui encontramos, no que diz respeito às corporações e às organizações medievais do trabalho, é a proibição do emprego, por parte de um único mestre artesão, de um número excedente de trabalhadores àquele estabelecido; e, em geral, ao simples comerciante, que não era mestre, a proibição em utilizar-se de trabalhadores. Esta oposição estava instintivamente voltada contra o fundamento geral sobre o qual teve lugar a transição da forma artesanal para o modo de produção capitalista, da mesma forma que voltada contra a cooperação de muitos trabalhadores sob um único mestre e contra a produção em massa, sem que as forças sociais do trabalho (incluindo sua depreciação) que essa produção em massa desenvolve, ou ainda a substituição do trabalho vivo pelo produto do trabalho passado (vergangner Arbeit), pudessem já ser aqui conscientemente apreendidas.

A divisão do trabalho e a cooperação simples nunca se baseiam imediatamente na substituição do trabalho ou na criação de um excedente de trabalhadores; por um lado, sua base é a concentração destes e, por outro, a formação de uma maquinaria viva ou um sistema de máquinas vivas intermediado por este mesmo conglomerado. Em todo caso, porém, um excedente relativo de trabalho é produzido.

Por exemplo, numa manufactura fundada na divisão do trabalho, na qual trinta mecânicos trabalham "x" vezes produzindo mais fechaduras do que trinta serralheiros independentes poderiam produzir, estes últimos deixariam de ser independentes justamente ali onde nasce a concorrência com a manufatura — desalojados que seriam por ela —, da mesma forma que o crescimento da produção de fechaduras não se poria mais como antes, proporcionalmente ao crescimento do número de serralheiros independentes. Isto aparece antes como a transformação dos mestres de ofício e seus aprendizes em capitalistas e trabalhadores assalariados do que como a supressão do trabalhador assalariado pelo emprego do capital e da ciência.

Esta última forma aparece ainda em menor proporção do que a própria manufactura, de presença apenas esporádica, pois se coloca como anterior à invenção da maquinaria, de modo algum capaz de compreender a totalidade dos ramos, mas aparecendo simultaneamente ao primeiro desenvolvimento do trabalho industrial em larga escala, e coincidindo com as necessidades fundadas neste último. As manufaturas posteriores, que se desenvolvem tendo por base a própria máquina, tomam-na por pressuposto, ainda que o emprego da maquinaria tenha uma dimensão apenas parcial. O pressuposto desta forma é o excedente de população formado e continuamente renovado sob a maquinaria.

Por isso pôde Adam Smith notar como sendo expressões de carácter idêntico: a divisão do trabalho no interior da manufatura e o aumento do número de trabalhadores.

Portanto, a forma fundamental segue sendo: o número relativo de trabalhadores que a produção de um determinado quantum de mercadorias exige diminui em função do trabalho em larga escala, e este mesmo número de trabalhadores é capaz de elevar ainda mais sua produtividade — o que faz decair relativamente, por conseguinte, a demanda de trabalho para uma expansão da produção. Porém, ao mesmo tempo, mais trabalhadores terão de ser empregados a fim de que se realize este aumento relativo da força produtiva. Como forma palpável e evidente aparece aqui a diminuição relativa do tempo de trabalho necessário, mas não a diminuição do trabalho empregado na sua forma absoluta, que continua tendo como base o trabalhador vivo e o número de trabalhadores ocupados sob o mesmo espaço. Além disso, a consolidação da manufatura acontece num momento no qual tanto as necessidades, quanto a massa crescente de mercadorias inseridas no intercâmbio, assim como o comércio internacional (em realidade um relativo mercado mundial) expandem-se subitamente de maneira prodigiosa. É por isso que encontramos a manufatura em confronto tão-somente com o artesanato, mas de modo algum em conflito direto com o trabalho assalariado mesmo que, (no meio urbano) primeiramente no interior deste modo de produção, passe a adquirir uma existência disseminada.

Além disso e sem dúvida, simultaneamente à maquinaria desenvolve-se também a agricultura em larga escala, que funciona de fato como produção mecanizada, dado que tanto a transformação da terra arável em pastagens, como o uso de melhores instrumentos e cavalos, aqui, tanto quanto na maquinaria, faz com que o trabalho passado surja como meio para substituição ou diminuição do trabalho vivo.

/1259/Na maquinaria, ao contrário, em que novos ramos de produção são fundados, não se pode, naturalmente, falar em substituição dos trabalhadores por máquinas. Esta situação de difusão aparece de forma geral assim que a maquinaria se desenvolve, numa época avançada em que repousa o modo de produção, mas no interior do qual aquela produção segue sendo ainda extremamente incipiente, seja em comparação com aquelas mercadorias nas quais o trabalho humano mediante a maquinaria é suplantado, seja do ponto de vista das mercadorias substituídas, que anteriormente eram produzidas sob o simples trabalho manual.

O primeiro caso diz respeito ao emprego da maquinaria naqueles ramos cuja forma anterior de produção era artesanal ou manufatureira. Com isso, a máquina aparece aqui como elemento intrínseco ao modo de produção capitalista, como uma revolução no interior do modo de produção em geral. Assim que a mecanização se institui no interior das oficinas (Ateliers), a finalidade passa a ser o constante aperfeiçoamento da maquinaria, que até este momento não havia ainda subordinado a si setores daquelas, fazendo-o agora por completo, ao mesmo tempo em que faz diminuir o número de trabalhadores ocupados. Da mesma forma, os trabalhos feminino e infantil tomam o lugar do trabalho masculino e, finalmente, numa extensão superior àquela da manufatura (e isto os trabalhadores têm sentido diretamente), a força produtiva de uma mesma quantidade de trabalhadores aumenta e, justamente por isso, é requerida uma diminuição relativa do número de trabalhadores para a produção de uma determinada massa de mercadorias.

Portanto, a fórmula da maquinaria é: não a diminuição relativa da jornada individual de trabalho — jornada esta que é parte necessária da jornada de trabalho mas a redução da quantidade de trabalhadores, isto é, das muitas jornadas paralelas, formadoras de uma jornada coletiva de trabalho, fundamental à constituição da maquinaria. Em outros termos, uma quantidade determinada de trabalhadores é posta para fora do processo de produção e seus postos de trabalho extintos como sendo, ambos, inúteis à produção de mais-trabalho. Tudo isso abstraindo da eliminação daquelas especializações surgidas mediante a divisão do trabalho de onde resulta, por consequência, uma depreciação da própria capacidade de trabalho.

O trabalho passado juntamente com a circulação social do trabalho é apreendido como meio de tomar supérfluo o trabalho vivo. Ou seja, a base sobre a qual se desenvolve o mais-trabalho é o tempo de trabalho necessário, apesar de, aqui, buscar-se consolidar justamente o contrário: calcula-se qual o quantum determinado de mais-trabalho é possível obter perante a um quantum determinado de trabalho necessário.

A oposição entre capital e trabalho assalariado desenvolve-se, assim, até sua plena contradição. É no interior desta que o capital aparece como meio não somente de depreciação da capacidade viva de trabalho, mas também como meio de tomá-la supérflua. Em determinados processos isso ocorre por completo; em outros, esta redução se efetua até que se alcance o menor número possível no interior do conjunto da produção. O trabalho necessário coloca-se, então, imediatamente como população supérflua, como excedente populacional — aquela massa incapaz de gerar mais-trabalho.

Já postos anteriormente como sendo momentos diferenciados, é possível verificar como o capital de fato — contra sua vontade — faz diminuir a massa de mais-trabalho que um capital determinado é capaz de produzir. Atuando como tendência que se movimenta contraditoriamente, ele procura manter baixo o número relativo de trabalhadores efetivamente ocupados e, ao mesmo tempo, elevar o quanto for possível o mais-trabalho absoluto, ou seja, aumentar a jornada de trabalho absoluta.

Por isso os economistas contemporâneos ao período referente à grande indústria posicionam-se contra aquele preconceito predominante já presente no período manufatureiro, segundo o qual é de interesse do Estado — portanto, da classe capitalista — ocupar o maior número de trabalhadores possível. Pelo contrário, aparece como tarefa obrigatória para a produção de mais-trabalho diminuir (ao invés de aumentar) o quanto for possível a quantidade de trabalhadores e criar, ao mesmo tempo, excedente populacional.

Trata-se para o trabalhador não somente da eliminação da especialização e da depreciação de sua capacidade de trabalho, mas da eliminação mesma desta parte cuja flutuação é constante e pertencente a ele como sendo sua única mercadoria — a eliminação de sua capacidade de trabalho. Capacidade que se coloca como supérflua ante a maquinaria, seja porque cabe a esta última a realização completa de parte do trabalho, seja porque diminui o número de trabalhadores que assistem diretamente à maquinaria. Da mesma forma que isso ocorre, também aqueles trabalhadores vinculados ao modo de produção precedente, na concorrência com a maquinaria, acabam por arruinar-se.

Para os próprios trabalhadores o tempo de trabalho necessário não é mais o socialmente necessário no interior da produção de mercadorias. Seu trabalho de 16-18 horas tem maior 1/1260/valor do que aquele de 6-8 horas levado a efeito com a máquina. Em face do prolongamento do tempo de trabalho, por toda a parte disseminado para além de suas fronteiras normais, e mediante a péssima remuneração que é dada em contrapartida — posto que o valor ali é regulado a partir do valor das mercadorias produzidas sob a maquinaria —, os trabalhadores empreendem uma luta frontal com esta última, até o ponto em que são definitivamente derrotados.

Esta a tendência da maquinaria: por um lado, a constante expulsão de trabalhadores, seja do interior daquela oficina já mecanizada, seja do interior dos ofícios; por outro, sua constante reintegração, posto que a partir de um grau determinado de desenvolvimento da força produtiva, o aumento da mais-valia só se coloca com a elevação simultânea do número de trabalhadores ocupados. Esse movimento de atração e expulsão é característico e representa o constante oscilar da existência do trabalhador.

Nas strikes mostra-se também que as máquinas são empregadas e inventadas em oposição direta às exigências do trabalho vivo, assim como são elas o meio de enfraquecê-lo e dividi-lo (vide Ricardo sobre a oposição permanente entre maquinaria e trabalho vivo).

Aqui, portanto, com maior evidência aparece o estranhamento(3) das condições objetivas do trabalho — do trabalho passado — em oposição ao trabalho vivo como sendo aquela contradição imediata na qual o trabalho passado — e, por conseguinte, as forças sociais gerais do trabalho que compreendem tanto as forças da natureza quanto as da ciência — se apresenta diretamente como uma arma que atira à rua o trabalhador, transformando-o num sujeito supérfluo; que rompe e dilui com sua especialização, sufocando aquelas necessidades nela fundadas, e que submete o trabalhador ao despotismo acabado e organizado da forma de ser da fábrica (Fabrikwesen) e à disciplina militarizada do capital.

Nesta forma aparecem como decisivas — portanto como resultado das forças produtivas sociais do trabalho e do trabalho mesmo tomado enquanto condições sociais de trabalho — estas forças não apenas enquanto estranhas ao trabalhador e pertencentes ao capital, mas como supressoras de cada trabalhador singular, forças hostis que oprimem e julgam em favor do interesse do capitalista. Vimos ao mesmo tempo que o modo de produção capitalista não se modifica formalmente apenas, mas revoluciona a totalidade das condições sociais e tecnológicas do processo de trabalho, e também como o capital não aparece agora somente como aquelas condições materiais do trabalho não pertencentes ao trabalhador — matéria-prima e meios de trabalho —, mas como ele se apresenta como a essência das formas e potências sociais do trabalho em geral, contraposta a cada trabalhador tomado isoladamente.

Aqui o trabalho passado também se apresenta — tanto na maquinaria automatizada quanto naquela posta em movimento por ele — visivelmente como independente do trabalho enquanto auto-atividade (selbsttiitig): ao invés de ser subordinado por este último, o trabalho passado é que o subordina a si. Trata-se do homem de ferro contra o homem de carne e osso. A subsunção de seu trabalho ao capital — a absorção de seu trabalho pelo capital —, que está no cerne da produção capitalista, surge aqui como um fator tecnológico. A pedra fundamental está posta: o trabalho morto no movimento dotado de inteligência e o vivo existindo apenas como um de seus órgãos conscientes. A conexão viva do corpo da oficina não se funda mais na cooperação, mas sim no sistema de máquinas que forma agora, a partir do movimento de um motor primário e do abarcamento da totalidade das oficinas, a unidade ampla à qual estas últimas, ao continuarem sendo compostas por trabalhadores, mantêm-se subordinadas. A unidade da maquinaria alcança assim, evidentemente, forma independente e plena autonomia com relação aos trabalhadores, ao mesmo tempo que se coloca em oposição a eles(4).

A oficina que se apoia na maquinaria expulsa continuamente o trabalhador enquanto elemento necessário, ao mesmo tempo que real oca estes trabalhadores repelidos em funções da própria maquinaria. Se, por exemplo, de um total de cinquenta trabalhadores, quarenta são postos para fora, nada se opõe inteiramente a que, neste momento, sobre a base de uma nova fase da produção, estes quarenta trabalhadores sejam novamente integrados. Esta é uma discussão que não pode ser levada adiante neste espaço, mas se constitui num tópico que precisa ser examinado mais de perto: as relações entre os capitais constante e variável.

O estranho receio dos economistas em demonstrar que sobre o emprego da maquinaria repousa, ao longo do tempo, a grande indústria e que esta absorve de forma sempre renovada excedentes de população, é ridículo. Em primeiro lugar, deve ficar claro que a maquinaria é boa porque poupa trabalho, e é então novamente boa porque não o poupa senão tomando necessário num ponto o trabalho manual que ela substitui em outro. //1261/ Não é através da maquinaria, particularmente, mas na própria sequência do processo mecanizado, que os trabalhos auxiliares se fazem necessários. Para consolo dos trabalhadores, a economia burguesa reporta-se ao trabalho auxiliar como uma forma disfarçada de supressão do trabalho estafante, enquanto, de fato, ao lado dos trabalhos antigos, a maquinaria apenas cria novas formas deste trabalho árduo. Ou como continua a se tratar de trabalhadores ocupados no interior da oficina já mecanizada — apesar da maquinaria e apesar de mediante a mesma aumentar o esgotamento de cada trabalhador isolado —, o número de condenados a este trabalho estafante se eleva. De resto, não é este o lugar para aprofundar a questão, dado que ela toma como pressuposto a reflexão sobre o movimento real do capital, reflexão esta que aqui não é possível desenvolver. Todavia, os exemplos mencionados há pouco ilustram muito bem como a maquinaria é capaz de operar em ambos os sentidos. Não cabe também estender-se sobre o fato de que junto à agricultura deve predominar a tendência em formar-se um excedente populacional, não apenas temporário, mas em termos absolutos.

Com a maquinaria — e com a oficina mecanizada nela fundada — consolida-se a predominância do trabalho passado sobre o trabalho vivo, não apenas do ponto de vista social, expresso na relação entre capitalista e trabalhador, mas também como sendo uma verdade tecnológica.

Poder-se-ia perguntar como é possível que de forma geral o emprego da maquinaria — abstraído da liberação do capital e do trabalho — possa criar de imediato um novo e mais difundido trabalho (tomado do início ao fim no seu processo como um todo, seja ele diretamente realizado a partir da máquina, seja aquele que a tenha por pressuposto), que tem de ser menor do que a massa de trabalho contida nas mercadorias anteriormente produzidas sem a maquinaria. Ainda que, por exemplo, o quantum de trabalho contido numa vara de linho feita sob a maquinaria seja menor do que o quantum dispendido fora dela, não segue daí que, se agora a maquinaria produz mil varas de linho onde antes era produzida uma única, o trabalho não tenha aumentado — no que tange ao cultivo do linho, ao transporte e à totalidade dos trabalhos intermediários. Seu aumento não diz respeito à quantidade de trabalho contida numa só vara de linho, mas (e independentemente do tecido mesmo) à maior quantidade de trabalho preliminar requerido pelas mil varas de linho, seja junto ao próprio trabalho preliminar, seja junto à circulação (transporte) na diferença que uma só vara de linho requer. Cada vara de linho toma-se mais barata sob o trabalho à máquina, ainda que mil delas ponham em movimento mil vezes mais trabalho auxiliar do que antes poria uma única.

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Notas:

(1) Os Manuscritos de 1861-63 (compostos por 23 cadernos) representam o momento de passagem entre os Grundrisse e O Capital, sendo parte importante do material preparatório deste último. O presente fragmento encontra-se no interior da seqüência denominada "A mais-valia relativa - acumulação", referente ao caderno XX, redigido entre março e maio de 1863. (retornar ao texto)

(2) Vertemos o termo Arbeitsvermogens por "capacidade de trabalho" em vez de força de trabalho (Arbeitskraft) dada a especificidade de seu uso no texto: designa a capacidade incipiente de realização de trabalho por meio do trabalho vivo, ou seja, salienta a forma originária de apropriação e transfonnação da capacidade viva de trabalho pela maquinaria. (retornar ao texto)

(3) A tradução de Entfremdung para estranhamento e não para alienação (Entiiusserung) deve-se à diferença conceitual entre ambos: enquanto a segunda forma remete à exteriorização como fenômeno ineliminável do ser humano, fenômeno que particulariza o ser no ato e na ação de sua sociabilidade através das objetivações presentes no trabalho, o primeiro é designação específica para as insuficiências de realização do gênero, aqueles obstáculos sociais que fogem ao controle do homem porque estão em confronto direto com o alcance de sua realização, especialmente porque a história do desenvolvimento do ser social não logrou conquistar os meios para sua autodeterminação. Neste sentido, historicamente as alienações têm aparecido, por assim dizer, de forma estranhada. (A respeito ver Manuscritos Econômico-Filosóficos, especialmente a parte final do primeiro manuscrito, e as três primeiras partes do terceiro.) (retornar ao texto)

(4) Neste ponto, Marx abre um parágrafo sobre reflexões futuras que deverão ser levadas a efeito ainda no interior do próprio manuscrito: uma introdução acerca da contribuição de Andrew Ure (provavelmente o livro The Philosophy of Manufactures) e das ciências sob a perspectiva até agora discutida. O conteúdo da nota não passa de um lembrete que dá curso à disciplina do autor: "Es sind jezt noch anzuführen theils die betreffenden Stellen aus Ure etc, theils einiges über die Wissenschaft und die Naturkrafte". (retornar ao texto)

terça-feira, 12 de junho de 2012

Princípios Básicos do Comunismo,Friedrich Engels, 1847.

Princípios Básicos do Comunismo

Friedrich Engels

1847

FONTE: http://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm, 13/6/2012.

Texto editado para reflexão:

1.ª Pergunta: Que é o comunismo?

Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.

2.ª P[ergunta]: Que é o proletariado?

R[esposta]: O proletariado é aquela classe da sociedade que tira o seu sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer capital; [aquela classe] cujo bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte, cuja total existência dependem da procura do trabalho e, portanto, da alternância dos bons e dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma concorrência desenfreada. Numa palavra, o proletariado ou a classe dos proletários é a classe trabalhadora do século XIX.

3.ª P[ergunta]: Portanto, nem sempre houve proletários?

R[esposta]: Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre houve; e as classes trabalhadoras eram, na maioria dos casos, pobres. Mas nem sempre houve estes pobres, estes operários vivendo nas condições que acabamos de assinalar, portanto, [nem sempre houve] proletários, do mesmo modo que a concorrência nem sempre foi livre e desenfreada.

4.ª P[ergunta]: Como é que apareceu o proletariado?

R[esposta]: O proletariado apareceu com a revolução industrial, que se processou em Inglaterra na segunda metade do século passado e que, desde então, se repetiu em todos os países civilizados do mundo. Esta revolução industrial foi ocasionada pela invenção da máquina a vapor, das várias máquinas de fiar, do tear mecânico e de toda uma série de outros aparelhos mecânicos. Estas máquinas, que eram muito caras e, portanto, só podiam ser adquiridas pelos grandes capitalistas, transformaram todo o modo de produção anterior e suplantaram os antigos operários, na medida em que as máquinas forneciam mercadorias mais baratas e melhores do que as que os operários podiam produzir com as suas rodas de fiar e teares imperfeitos. Estas máquinas colocaram, assim, a indústria totalmente nas mãos dos grandes capitalistas e tornaram a escassa propriedade dos operários (ferramentas, teares, etc.) completamente sem valor, de tal modo que, em breve, os capitalistas tomaram tudo nas suas mãos e os operários ficaram sem nada. Assim se instaurou na confecção de tecidos o sistema fabril. Uma vez dado o impulso para a introdução da maquinaria e do sistema fabril, este sistema foi também muito rapidamente aplicado a todos os restantes ramos da indústria, nomeadamente, à estampagem de tecido e à impressão de livros, à olaria, à indústria metalúrgica. O trabalho foi cada vez mais dividido entre cada um dos operários, de tal modo que o operário que anteriormente fizera toda uma peça de trabalho agora passou a fazer apenas uma parte dessa peça. Esta divisão do trabalho tornou possível que os produtos fossem fornecidos mais depressa e, portanto, mais baratos. Ela reduziu a actividade de cada operário a um gesto mecânico muito simples, repetido mecanicamente a cada instante, o qual podia ser feito por uma máquina não apenas tão bem, mas ainda muito melhor. Deste modo, todos estes ramos da indústria caíram, um após outro, sob o domínio da força do vapor, da maquinaria e do sistema fabril, da mesma maneira que a fiação e a tecelagem.

Mas por este facto elas caíram, ao mesmo tempo, completamente nas mãos dos grandes capitalistas e aos operários foi assim retirado também o último resto de independência. Pouco a pouco, para além da própria manufatura, também o artesanato caiu cada vez mais sob o domínio do sistema fabril, uma vez que, aqui também, os grandes capitalistas suplantaram os pequenos mestres por meio da montagem de grandes oficinas, com as quais muitos custos eram poupados e o trabalho podia igualmente ser dividido. Chegamos assim a que, nos países civilizados, quase todos os ramos de trabalho são explorados segundo o modelo fabril e, em quase todos os ramos de trabalho, o artesanato e a manufactura foram suplantados pela grande indústria.

Por isso, a antiga classe média, em especial os pequenos mestres artesãos, fica cada vez mais arruinada, a anterior situação dos operários fica completamente transformada e constituem-se duas novas classes, que a pouco e pouco absorvem todas as restantes, a saber:

  1. A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência; Esta é a classe dos burgueses, ou a burguesia.
  2. A classe dos que nada possuem, os quais, em virtude disso, estão obrigados a vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de existência necessários ao seu sustento. Esta classe chama-se a classe dos proletários, ou o proletariado.
5.ª P[ergunta]: Em que condições tem lugar esta venda do trabalho dos proletários aos burgueses?

R[esposta]: O trabalho é uma mercadoria como qualquer outra, e daí que o seu preço seja determinado precisamente pelas mesmas leis que o de qualquer outra mercadoria. O preço de uma mercadoria, sob o domínio da grande indústria ou da livre concorrência – o que, como veremos, vem a dar ao mesmo -, é, porém, em média, sempre igual aos custos de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho é, portanto, também igual aos custos de produção do trabalho. Os custos de produção do trabalho consistem, porém, precisamente, em tantos meios de existência quantos os [que são] necessários para manter os operários em condições de continuar a trabalhar e para não deixar extinguir-se a classe operária. O operário não obterá, portanto, pelo seu trabalho mais do que aquilo que é necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o salário, será, portanto, o mais baixo possível, o mínimo que é necessário para o sustento. Pelo facto de que, porém, os tempos ora são piores, ora são melhores, para o negócio, o operário ora receberá mais, ora receberá menos, tal como o fabricante receberá ora mais, ora menos, pela sua mercadoria. Do mesmo modo, porém, que o fabricante, na média dos tempos bons e dos [tempos] maus para o negócio, não obtém pela sua mercadoria nem mais nem menos do que os seus custos de produção, também o operário, em média, não receberá nem mais nem menos do que aquele mesmo mínimo. Esta lei económica do salário realizar-se-á tanto mais rigorosamente quanto mais a grande indústria se for apoderando de todos os ramos do trabalho.

6.ª P[ergunta]: Que classes de trabalhadores houve antes da revolução industrial?

R[esposta]: Consoante as diversas etapas de desenvolvimento da sociedade, assim as classes trabalhadoras viveram em condições diversas e tiveram posições diversas relativamente às classes proprietárias e dominantes. Na Antiguidade, os trabalhadores eram escravos dos proprietários, como ainda o são em muitos países atrasados e, inclusiva mente, na parte sul dos Estados Unidos. Na Idade Média eram servos dos nobres proprietários de terras, como ainda o são na Hungria, na Polónia e na Rússia. Na Idade Média, e até à revolução industrial, houve ainda, além disso, nas cidades, oficiais artesãos que trabalhavam ao serviço de mestres pequeno-burgueses e, a pouco e pouco, com o desenvolvimento da manufactura, apareceram os operários das manufacturas que eram já empregados por grandes capitalistas.

7.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do escravo?

R[esposta]: O escravo está vendido de uma vez para sempre; o proletário tem de se vender a si próprio diariamente e hora a hora. O indivíduo escravo, propriedade de um senhor, tem uma existência assegurada, por muito miserável que seja, em virtude do interesse do senhor; o indivíduo proletário – propriedade, por assim dizer, de toda a classe burguesa -, a quem o trabalho só é comprado quando alguém dele precisa, não tem a existência assegurada. Esta existência está apenas assegurada a toda a classe dos proletários. O escravo está fora da concorrência, o proletário está dentro dela e sente todas as suas flutuações. O escravo vale como uma coisa, não como um membro da sociedade civil; o proletário é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade civil. O escravo pode, portanto, levar uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior do desenvolvimento da sociedade e está ele próprio numa etapa superior à do escravo. O escravo liberta-se ao abolir, de entre todas as relações de propriedade privada, apenas a relação de escravatura e ao tornar-se, assim, ele próprio proletário; o proletário só pode libertar-se ao abolir a propriedade privada em geral.

8.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do servo?

R[esposta]: O servo tem a posse e o usufruto de um instrumento de produção, de uma porção de terra, contra a entrega de uma parte do produto, ou contra a prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de outrem por conta desse outrem, contra o recebimento de uma parte do produto. O servo entrega, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário não a tem. O servo está fora da concorrência, o proletário está dentro dela. O servo liberta-se fugindo para as cidades e tornando-se aí artesão, ou dando ao seu amo dinheiro, em vez de trabalho e produtos, e tornando-se rendeiro livre, ou expulsando o senhor feudal e tornando-se ele próprio proprietário: em suma, entrando, de uma ou de outra maneira, na classe proprietária e na concorrência. O proletário liberta-se abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classes.

9.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do artesão?

R[esposta]: (1)

10.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do operário manufactureiro?

R[esposta]: O operário manufactureiro dos séculos XVI a XVIII ainda tinha quase sempre na sua posse um instrumento de produção: o seu tear, as rodas de fiar para a família, um pequeno terreno que cultivava nas horas vagas. O proletário não tem nada disso. O operário manufactureiro vive quase sempre no campo e em relações mais ou menos patriarcais com o seu amo ou patrão; o proletário vive, na maioria dos casos, em grandes cidades e está numa pura relação de dinheiro com o seu patrão. O operário manufactureiro é arrancado das suas relações patriarcais pela grande indústria, perde a propriedade que ainda possuía e só então se torna ele próprio proletário.

11.ª P[ergunta]: Quais foram as consequências imediatas da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?

R[esposta]: Em primeiro lugar, em todos os países do mundo, o velho sistema da manufactura ou da indústria assente na trabalho manual foi completamente destruído pelo facto de os preços dos artigos industriais se tornarem cada vez mais baratos em consequência do trabalho das máquinas. Todos os países semibárbaros, os quais, até então, tinham permanecido mais ou menos alheios ao desenvolvimento histórico, e cuja indústria, até então, assentara na manufactura, foram, desta forma, violentamente arrancados ao seu isolamento. Compraram as mercadorias mais baratas dos Ingleses e deixaram arruinar os seus próprios operários manufactureiros. Assim, países que há milénios não faziam qualquer progresso, como por exemplo a Índia, foram revolucionados de uma ponta a outra, e a própria China caminha agora para uma revolução. As coisas chegaram a tal ponto que uma nova máquina hoje inventada na Inglaterra deixa sem pão, no espaço de um ano, milhões de operários na China. Deste modo, a grande indústria colocou em relação uns com os outros todos os povos da Terra, juntou todos os pequenos mercados locais no mercado mundial, preparou, por toda a parte, o terreno para a civilização e o progresso, de modo que tudo aquilo que acontece nos países civilizados tem de repercutir-se em todos os outros países. De tal modo, que se agora em Inglaterra ou em França, os operários se libertarem, isso terá de arrastar consigo revoluções em todos os países, as quais, mais tarde ou mais cedo, conduzirão igualmente à libertação dos operários locais.

Em segundo lugar, em toda a parte em que a grande indústria substituiu a manufactura, a burguesia desenvolveu, no mais alto grau, a sua riqueza e o seu poder, e tornou-se a primeira classe do país. A consequência disto foi que, em toda a parte onde isso aconteceu, a burguesia tomou nas suas mãos o poder político e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os burgueses das corporações e a monarquia absoluta que os representava a ambos. A burguesia aniquilou o poder da aristocracia, da nobreza, ao abolir os morgadios ou a inalienabilidade da propriedade fundiária e todos os privilégios da nobreza. Destruiu o poder dos burgueses das corporações, ao abolir as corporações e os privilégios dos artesãos. A ambos substituiu pela livre concorrência, isto é, o estado da sociedade em que cada um tem o direito de explorar qualquer ramo da indústria e em que nada o pode impedir da exploração do mesmo a não ser a falta do capital para tanto necessário. A introdução da livre concorrência e, portanto, a declaração pública de que, daí em diante, os membros da sociedade são apenas desiguais na medida em que os seus capitais são desiguais, de que o capital se tornou o poder decisivo e [de que], com isso, os capitalistas, os burgueses [se tornaram] a primeira classe da sociedade. A livre concorrência é, porém, necessária para o começo da grande indústria, porque é o único estado da sociedade em que a grande indústria pode crescer. A burguesia, depois de ter aniquilado por esta forma o poder social da nobreza e dos burgueses das corporações, aniquilou-lhes também o poder político. Assim como na sociedade se elevou a primeira classe, proclamou-se também como primeira classe politicamente. Fê-lo com a introdução do sistema representativo, que assenta na igualdade burguesa perante a lei, no reconhecimento legal da livre concorrência, e que nos países europeus foi instaurado sob a forma da monarquia constitucional. Nestas monarquias constitucionais são apenas eleitores aqueles que possuem um certo capital, ou seja, apenas os burgueses elegem os deputados, e estes deputados burgueses, por meio do direito de recusar impostos, elegem um governo burguês.

Em terceiro lugar, ela [a revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais, como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução da sociedade pelo proletariado.

12.ª P[ergunta]: Que outras consequências teve a revolução industrial?

R[esposta]: A grande indústria criou, com a máquina a vapor e as outras máquinas, os meios para multiplicar até ao infinito a produção industrial num tempo curto e com poucos custos. Sendo a produção tão fácil, a livre concorrência necessariamente decorrente desta grande indústria muito depressa assumiu um carácter extremamente intenso; um grande número de capitalistas lançou-se na indústria e, a breve trecho, produzia-se mais do que podia ser consumido. A consequência disso foi que as mercadorias fabricadas não podiam ser vendidas e sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas tiveram de ficar paradas, os fabricantes caíram na bancarrota e os operários ficaram sem pão. Por toda a parte sobreveio a maior miséria. Depois de algum tempo foram-se vendendo os produtos em excesso, as fábricas voltaram a trabalhar, o salário subiu e, pouco a pouco, os negócios passaram a ir melhor do que nunca. Mas não por muito tempo, já que de novo voltaram a produzir-se mercadorias em excesso e sobreveio uma nova crise, que seguiu precisamente o mesmo curso que a anterior. Assim, desde o começo deste século, a situação da indústria tem oscilado continuamente entre épocas de prosperidade e épocas de crise, e quase regularmente, de cinco em cinco anos, ou de sete em sete anos, sobreveio uma destas crises, de todas as vezes conjugada com a maior miséria dos operários, com uma agitação revolucionária geral e com o maior perigo para toda a ordem vigente.

13ª P[ergunta]: o que é que resulta destas crises comerciais que se repetem regularmente?

R[esposta]: Em primeiro lugar, que a grande indústria, apesar de na sua primeira época de desenvolvimento ter ela própria dado origem à livre concorrência, está agora, contudo, a abandonar a livre concorrência; que a concorrência e, em geral, a exploração da produção industrial por singulares se tomou para ela um grilhão que tem de quebrar e quebrará; que a grande indústria, enquanto for empreendida na base actual, somente se pode manter por meio de uma perturbação geral repetida de sete em sete anos, a qual ameaça, de cada vez, toda a civilização, e não só faz cair os proletários na miséria como também arruína um grande número de burgueses; que, portanto, ou a própria grande indústria tem de ser completamente abandonada – o que é uma absoluta impossibilidade -, ou então ela torna absolutamente necessária uma organização totalmente nova da sociedade, na qual já não são os fabricantes individuais, em concorrência entre si, mas toda a sociedade, de acordo com um plano estabelecido e segundo as necessidades de todos, q2uem dirige a produção industrial.

Em segundo lugar, que a grande indústria e a expansão da produção até ao infinito por ela tornada possível, tornam possível um estado da sociedade em que é produzido tanto de tudo o que é necessário à vida que cada membro da sociedade ficará por esse facto em condições de desenvolver e de pôr em prática todas as suas forças e aptidões em completa liberdade. De tal modo que precisamente aquela qualidade da grande indústria que dá origem, na sociedade de hoje, a toda a miséria e a todas as crises comerciais, é a mesma que, numa outra organização social, acabará com essa miséria e com essas oscilações que causam tanta infelicidade.

De tal modo que fica provado da maneira mais clara:

  1. que de agora em diante todos estes males são de imputar à ordem social que já não se adequa às condições existentes, e
  2. que já existem os meios para eliminar completamente estes males por meio de uma nova ordem social.
14.ª P[ergunta]: De que tipo terá de ser esta nova ordem social?

R[esposta]: Antes do mais, ela tirará a exploração da indústria e de todos os ramos da produção em geral das mãos de cada um dos indivíduos singulares em concorrência uns com os outros e, em vez disso, terá de fazer explorar todos esses ramos da produção por toda a sociedade, isto é, por conta da comunidade, segundo um plano da comunidade e com a participação de todos os membros da sociedade. Abolirá, portanto, a concorrência e estabelecerá, em lugar dela, a associação. Uma vez que a exploração da indústria por singulares tinha como consequência necessária a propriedade privada, e que a concorrência não é mais do que o modo da exploração da indústria pelos proprietários privados individuais, a propriedade privada não pode ser separada da exploração individual da indústria nem da concorrência. A propriedade privada terá, portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar, estabelecer-se-á a utilização comum de todos os instrumentos de produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum, ou a chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada é mesmo a expressão mais breve e mais característica desta transformação de toda a ordem social necessariamente resultante do desenvolvimento da indústria, e por isso é com razão avançada pelos comunistas como reivindicação principal.

15.ª P[ergunta]: Então a abolição da propriedade privada não era possível anteriormente?

R[esposta]: Não. Todas as transformações da ordem social, todas as revoluções nas relações de propriedade, têm sido consequência necessária da criação de novas forças produtivas que já não se iam adequar às antigas relações de propriedade. Foi assim que a própria propriedade privada surgiu. Porque a propriedade privada nem sempre existiu; quando, nos finais da Idade Média, foi criado na manufactura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à propriedade feudal e corporativa da altura, é que esta manufactura, que já não cabia dentro das antigas relações de propriedade, deu, então, origem a uma nova forma de propriedade. Para a manufactura e para a primeira etapa do desenvolvimento da grande indústria não era possível, porém, qualquer outra forma de propriedade a não ser a propriedade privada. Enquanto não puder ser produzido tanto que seja não só suficiente para todos, mas que também fique um excedente de produtos para aumento do capital social e para a formação de mais forças produtivas, terá sempre de haver uma classe dominante, dispondo das forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida. A maneira como estas classes serão constituídas dependerá da etapa de desenvolvimento da produção. A Idade Média, dependente do cultivo da terra, dá-nos o barão e o servo; as cidades da baixa Idade Média mostram-nos o mestre da corporação, o oficial e o jornaleiro; o século XVII tem o proprietário da manufactura e o operário manufactureiro; o século XIX – o grande fabricante e o proletário. É claro que até aqui as forças produtivas não estavam ainda tão desenvolvidas ao ponto de se poder produzir o suficiente para todos e de a propriedade privada se ter tornado para essas forças produtivas um grilhão e um entrave. Hoje, porém, quando, pelo desenvolvimento da grande indústria se criaram, em primeiro lugar, capitais e forças produtivas numa quantidade nunca antes conhecida e existem meios para, num curto lapso de tempo, multiplicar essas forças produtivas até ao infinito; quando, em segundo lugar, essas forças produtivas estão concentradas nas mãos de poucos burgueses, enquanto a grande massa do povo se converte cada vez mais em proletários, enquanto a sua situação se torna mais miserável e insuportável, na mesma proporção em que se multiplicam as riquezas dos burgueses; quando, em terceiro lugar, estas forças produtivas poderosas e que se multiplicam facilmente ultrapassaram de tal maneira a propriedade privada e os burgueses que provocam a cada momento as mais violentas perturbações na ordem social – agora a abolição da propriedade privada não se tornou apenas possível, tornou-se inteiramente necessária.

16.ª P[ergunta]: Será possível a abolição da propriedade privada por via pacífica?

R[esposta]: Seria de desejar que isso pudesse acontecer, e os comunistas seriam certamente os últimos que contra tal se insurgiriam. Os comunistas sabem muitíssimo bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, como mesmo prejudiciais. Eles sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas propositada nem arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar, elas foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente independentes da vontade e da direcção deste ou daquele partido e de classes inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do proletariado em quase todos os países civilizados é violentamente reprimido e que, deste modo, os adversários dos comunistas estão a contribuir com toda a força para uma revolução. Acabando assim o proletariado oprimido por ser empurrado para uma revolução, nós, os comunistas, defenderemos nos actos, tão bem como agora com as palavras, a causa dos proletários.

17.ª P[ergunta]: Será possível abolir a propriedade privada de um só golpe?

R[esposta]: Não, do mesmo modo que não se podem fazer aumentar de um só golpe as forças produtivas já existentes tanto quanto é necessário para a edificação da comunidade (2). Por isso a revolução do proletariado, que com toda a naturalidade se vai aproximando, só a pouco e pouco poderá, portanto, transformar a sociedade actual, e somente poderá abolir a propriedade privada quando estiver criada a massa de meios de produção necessária para isso.

18ª P[ergunta]: Que curso de desenvolvimento tomará essa revolução?

R[esposta]: Ela estabelecerá, antes do mais, uma Constituição democrática do Estado, e com ela, directa ou indirectamente, o domínio político do proletariado. Directamente, em Inglaterra, onde os proletários constituem já a maioria do povo. Indirectamente, em França e na Alemanha, onde a maioria do povo não consiste apenas em proletários mas também em pequenos camponeses e pequenos burgueses, os quais começam a estar envolvidas no processo de passagem ao proletariado, se tornam cada vez mais dependentes deste em todos os seus interesses políticos e, portanto, têm de se acomodar em breve às reivindicações do proletariado. Isto custará, talvez, uma segunda luta, a qual, porém, só pode terminar com a vitória do proletariado.

A democracia seria totalmente inútil para o proletariado se ela não fosse utilizada imediatamente como meio para a obtenção de outras medidas que ataquem directamente a propriedade privada e assegurem a existência do proletariado. As medidas principais, tal como decorrem, já agora, como consequência necessária, das condições existentes, são as seguintes:

  1. Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, altos impostos sobre heranças, abolição da herança por parte das linhas colaterais (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos forçados, etc.
  2. Expropriação gradual dos latifundiários, fabricantes, proprietários de caminhos-de-ferro e armadores de navios, em parte pela concorrência da indústria estatizada, em parte, directamente, contra indemnização em papéis do Estado.
  3. Confiscação dos bens de todos os emigrantes e rebeldes contra a maioria do povo.
  4. Organização do trabalho ou ocupação dos proletários em herdades nacionais, fábricas e oficinas, pela qual se elimina a concorrência dos operários entre si e os fabricantes são obrigados, enquanto ainda subsistirem, a pagar o mesmo salário elevado que o Estado.
  5. Igual obrigação de trabalho para todos os membros da sociedade até à completa abolição da propriedade privada Formação de exércitos industriais, sobretudo, para a agricultura.
  6. Centralização do sistema de crédito e da banca nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e repressão de todos os bancos privados e banqueiros.
  7. Multiplicação do número de fábricas, oficinas, caminhos-de-ferro e navios nacionais, cultivo de todas as terras e melhoramento das já cultivadas, na mesma proporção em que se multiplicarem os capitais e os operários que se encontram à disposição da nação.
  8. Educação de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem os cuidados maternos, em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado. Combinar a educação e o trabalho fabril.
  9. Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para habitações colectivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria como à agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da rural, sem partilhar da unilateralidade e dos defeitos de ambos os modos de vida.
  10. Destruição de todas as habitações e bairros insalubres e mal construídos.
  11. Igualdade de direito de herança para os filhos ilegítimos e legítimos.
  12. Concentração de todo o sistema de transportes nas mãos da nação.

Naturalmente, nem todas estas medidas podem ser empreendidas de uma só vez. Porém, uma arrasta sempre atrás de si a outra. Uma vez realizado o primeiro ataque radical contra a propriedade privada, o proletariado ver-se-á obrigado a seguir sempre para diante, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a troca. É para aí que todas estas medidas apontam; e elas tornar-se-ão aplicáveis e desenvolverão as suas consequências centralizadoras na precisa medida em que as forças produtivas do país sejam multiplicadas pelo trabalho do proletariado. Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e toda a troca estiverem concentrados nas mãos da nação, a propriedade privada desaparecerá por si própria, o dinheiro tornar-se-á supérfluo e a produção aumentará tanto e os homens transformar-se-ão tanto, que poderão igualmente tombar as últimas formas de intercâmbio [N7] da antiga sociedade.

19.ª P[ergunta]: Poderá esta revolução realizar-se apenas num único país?

R[esposta]: Não. A grande indústria, pelo facto de ter criado o mercado mundial, levou todos os povos da terra – e, nomeadamente, os civilizados – a uma tal ligação uns com os outros que cada povo está dependente daquilo que acontece a outro. Além disso, em todos os países civilizados ela igualou de tal maneira o desenvolvimento social, que em todos esses países a burguesia e o proletariado se tornaram as duas classes decisivas da sociedade e a luta entre elas a luta principal dos nossos dias. A revolução comunista não será, portanto, uma revolução simplesmente nacional; será uma revolução que se realizará simultaneamente em todos os países civilizados, isto é, pelo menos em Inglaterra, na América, em França e na Alemanha [N14]. Ela desenvolver-se-á em cada um destes países mais rápida ou mais lentamente, consoante um ou outro país possuir uma indústria mais avançada, uma maior riqueza, uma massa mais significativa de forças produtivas. Na Alemanha ela será efectuada, portanto, mais lenta e dificilmente, em Inglaterra mais rápida e facilmente. Ela terá igualmente uma repercussão significativa nos restantes países do mundo, transformará totalmente e acelerará muito o seu actual modo de desenvolvimento. Ela é uma revolução universal e terá, portanto, também um âmbito universal.

20.ª P[ergunta]: Quais são as consequências da abolição final da propriedade privada?

R[esposta]: Pelo facto de a sociedade retirar das mãos dos capitalistas privados o usufruto de todas as forças produtivas e meios de comunicação, assim como a troca e a repartição dos produtos, e os administrar segundo um plano resultante dos meios disponíveis e das necessidades de toda a sociedade, serão eliminadas, antes do mais, todas as consequências nefastas que agora ainda se encontram ligadas à exploração da grande indústria. As crises desaparecerão; a produção alargada que, para a ordem actual da sociedade, é uma sobreprodução e uma causa tão poderosa da miséria, já não será então suficiente e terá de ser alargada ainda muito mais. Em vez de ocasionar a miséria, a sobreprodução assegurará, para além das necessidades imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de todos, e criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios para as satisfazer. Ela será condição e motivo de novos progressos, e realizará estes progressos sem que, por esse facto, como sempre até aqui, a ordem social seja perturbada. A grande indústria liberta da pressão da propriedade privada desenvolver-se-á numa tal extensão que, comparado com ela, o seu actual desenvolvimento parecerá tão pequeno como o da manufactura comparada com a grande indústria dos nossos dias. Este desenvolvimento da indústria colocará à disposição da sociedade uma massa suficiente de produtos para com eles satisfazer as necessidades de todos. Do mesmo modo, a agricultura, que também em virtude da pressão da propriedade privada e do parcelamento tem sido impedida de apropriar os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos científicos já realizados, conhecerá um ascenso totalmente novo e colocará à disposição da sociedade uma quantidade plenamente suficiente de produtos. Desta maneira, a sociedade produzirá produtos bastantes para poder organizar de tal modo a repartição que as necessidades de todos os membros sejam satisfeitas. A separação da sociedade em diversas classes opostas umas às outras tornar-se-á, assim, supérflua. Ela não se tornará, porém, apenas supérflua; será mesmo incompatível com a nova ordem social. A existência de classes proveio da divisão do trabalho, e a divisão do trabalho, no seu modo actual, desaparecerá totalmente. É que para trazer a produção industrial e agrícola até ao nível descrito, não bastam apenas os meios auxiliares mecânicos e químicos; as capacidades dos homens que põem em movimento esses meios auxiliares têm igualmente de ser desenvolvidas em medida correspondente. Assim como os camponeses e os operários manufactureiros do século passado transformaram todo o seu modo de vida e se tornaram eles próprios homens completamente diferentes quando foram incorporados na grande indústria, do mesmo modo também a exploração comum da produção por toda a sociedade e o novo desenvolvimento da produção dela decorrente necessitarão de, e também criarão, homens completamente diferentes. A exploração comum da produção não pode ser levada a cabo por homens como os de hoje, que estão subordinados, acorrentados, a um único ramo da produção, que são por ele explorados, homens que desenvolveram apenas uma das suas aptidões em detrimento de todas as outras, que conhecem apenas um ramo ou apenas um ramo de um ramo da produção total. Já a indústria actual precisa cada vez menos destes homens. A indústria explorada em comum, e em conformidade com um plano, por toda a sociedade pressupõe inteiramente homens cujas aptidões estejam integralmente desenvolvidas e que estejam em condições de abarcar todo o sistema da produção. A divisão do trabalho, minada já hoje pelas máquinas, que faz de um camponês, do outro sapateiro, do terceiro operário fabril, do quarto especulador de bolsa, desaparecerá, portanto, totalmente. A educação permitirá aos jovens passar rapidamente por todo o sistema de produção; colocá-los-á em condições de passar sucessivamente de um ramo de produção para outro, conforme o proporcionem as necessidades da sociedade ou as suas próprias inclinações. Retirar-lhes-á, portanto, o carácter unilateral que a actual divisão do trabalho impõe a cada um deles. Deste modo, a sociedade organizada numa base comunista dará aos seus membros oportunidade de porem em acção, integralmente, as suas aptidões integralmente desenvolvidas. Com isso, porém, desaparecerão também necessariamente as diversas classes. De tal maneira que, por um lado, a sociedade organizada numa base comunista é incompatível com a existência de classes e, por outro lado, a edificação dessa sociedade fornece ela própria os meios para suprimir essas diferenças de classes.

Decorre daqui, por conseguinte, que a oposição entre cidade e campo desaparecerá igualmente. A exploração da agricultura e da indústria pelos mesmos homens, em vez de por duas classes diferentes, é já, por causas totalmente materiais, uma condição necessária da associação comunista. A dispersão da população rural pelo campo, a par da concentração da população industrial nas grandes cidades, é uma situação que apenas corresponde a um estádio ainda não desenvolvido da agricultura e da indústria, um impedimento já hoje muito sensível para todo o desenvolvimento ulterior.

A associação geral de todos os membros da sociedade para a exploração comum e planificada das forças de produção, a expansão da produção num grau tal que satisfaça as necessidades de todos, a liquidação da situação em que as necessidades de uns são satisfeitas à custa dos outros, a aniquilação total das classes e dos seus antagonismos, o desenvolvimento integral das capacidades de todos os membros da sociedade por meio da eliminação da divisão do trabalho até agora vigente, por meio da educação industrial, por meio da troca de actividades, por meio da participação de todos nos prazeres criados por todos, por meio da fusão da cidade e do campo – eis os resultados principais da abolição da propriedade privada.

21.ª P[ergunta]: Que influência exercerá a ordem social comunista sobre a família?

R[esposta]: Ela fará da relação de ambos os sexos uma pura relação privada, que diz respeito apenas às pessoas que nela participam e em que a sociedade não tem de imiscuir-se.

Ela pode fazê-lo, uma vez que aboliu a propriedade privada e educa as crianças comunitariamente e, por este facto, anula as duas bases fundamentais do actual matrimónio: a dependência, por intermédio da propriedade privada, da mulher relativamente ao homem e dos filhos relativamente aos pais. Aqui se encontra também a resposta à gritaria tão moralista dos filisteus contra a comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma relação que pertence totalmente à sociedade burguesa e hoje em dia reside inteiramente na prostituição. A prostituição repousa, porém, sobre a propriedade privada, e cai com ela. Portanto, a organização comunista, em vez de introduzir a comunidade das mulheres, muito pelo contrário, suprime-a.

22.ª P[ergunta]: Qual será a atitude da organização comunista face às nacionalidades existentes?

- fica [N37]

23.ª P[ergunta]: Qual será a sua atitude face às religiões existentes?

- fica

24.ª P[ergunta]: Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?

R[esposta]: Os chamados socialistas dividem-se em três classes.

A primeira classe consiste nos partidários da sociedade feudal e patriarcal que foi aniquilada, e que continua ainda a ser diariamente aniquilada, pela grande indústria, pelo comércio mundial e pela sociedade burguesa por ambos criada. Esta classe tira dos males da sociedade actual a conclusão de que a sociedade feudal e patriarcal teria de ser restabelecida, porque estava livre destes males. Todas as suas propostas se dirigem, por caminhos direitos ou tortuosos, para este objectivo. Esta classe de socialistas reaccionários, apesar da sua pretensa compaixão e das suas lágrimas ardentes pela miséria do proletariado, será, todavia, contínua e energicamente combatida pelos comunistas, porque:

  1. se esforça por atingir algo de puramente impossível;
  2. procura restabelecer o domínio da aristocracia, dos mestres das corporações e dos proprietários de manufacturas, com o seu cortejo de reis absolutos ou feudais, de funcionários, de soldados e de padres, uma sociedade que, por certo, estava livre dos males da sociedade actual, mas que, em contrapartida, trazia consigo, pelo menos, outros tantos males e não oferecia a perspectiva de libertação dos operários oprimidos por meio de uma organização comunista;
  3. ela mostra os seus verdadeiros desígnios quando o proletariado se torna revolucionário e comunista, aliando-se então imediatamente com a burguesia contra os proletários.

A segunda classe consiste nos partidários da sociedade actual aos quais os males dela necessariamente decorrentes provocaram apreensões quanto à subsistência desta sociedade. Eles procuram, por conseguinte, conservar a sociedade actual, mas eliminar os males que a ela estão ligados. Com este objectivo, propõem, uns, simples medidas de beneficência, outros, grandiosos sistemas de reformas que, sob o pretexto de reorganizarem a sociedade, querem conservar as bases da sociedade actual e, com elas, a sociedade actual. Estes socialistas burgueses terão igualmente de ser combatidos constantemente pelos comunistas, uma vez que eles trabalham para os inimigos dos comunistas e defendem a sociedade que os comunistas querem precisamente derrubar.

A terceira classe consiste, finalmente, nos socialistas democráticos que, pela mesma via que os comunistas, querem uma parte das medidas indicadas na pergunta...; porém, não como meio de transição para o comunismo, mas como medidas que são suficientes para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade actual. Estes socialistas democráticos ou são proletários que ainda não estão suficientemente esclarecidos acerca das condições da libertação da sua classe; ou são representantes dos pequenos burgueses, uma classe que, até à conquista da democracia e das medidas socialistas dela decorrentes, sob muitos aspectos tem os mesmos interesses que os proletários. Por isso, os comunistas entender-se-ão, nos momentos de acção, com esses socialistas democráticos e em geral terão de seguir com eles, de momento, uma política o mais possível comum, desde que esses socialistas não se ponham ao serviço da burguesia dominante e não ataquem os comunistas. É claro que este modo de acção comum não exclui a discussão das divergências com eles.

25.ª P[ergunta]: Qual a atitude dos comunistas face aos restantes partidos políticos do nosso tempo?

R[esposta]: Esta atitude é diversa nos diversos países.

Na Inglaterra, na França e na Bélgica, onde a burguesia domina, os comunistas têm, por enquanto, um interesse comum com os diversos partidos democráticos e, na realidade, um interesse tanto maior quanto mais os democratas se aproximam do objectivo dos comunistas com as medidas socialistas agora por toda a parte por eles defendidas, isto é, quanto mais clara e determinada eles defendem os interesses do proletariado e quanto mais se apoiam no proletariado. Na Inglaterra, por exemplo, os cartistas, integrados por operários, estão infinitamente mais próximos dos comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os chamados radicais.

Na América, onde foi introduzida a constituição democrática, os comunistas têm de apoiar o partido que quer voltar essa constituição contra a burguesia e utilizá-la no interesse do proletariado, isto é, os reformadores agrários nacionais.

Na Suíça, os radicais, apesar de serem eles próprios ainda um partido muito heterogéneo, são, todavia, os únicos com os quais os comunistas se podem entender, e entre estes radicais os mais progressistas são, por sua vez, os valdenses e os de Genebra.

Na Alemanha, finalmente, só agora está iminente a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. Como, porém, os comunistas não podem contar com uma luta decisiva entre eles próprios e a burguesia antes de que a burguesia domine, o interesse dos comunistas é ajudar a levar os burgueses ao poder tão depressa quanto o possível, para, por sua vez, os derrubar o mais depressa possível. Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar partido pelos burgueses liberais face aos governos e apenas de se precaver de partilhar as auto-ilusões dos burgueses ou de dar crédito às suas afirmações sedutoras sobre as consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado. As únicas vantagens que a vitória da burguesia trará aos comunistas consistirão:

  1. em diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, discussão e propagação dos seus princípios e, com isso, a união do proletariado numa classe estreitamente coesa, preparada para a luta e organizada;
  2. na certeza de que, no dia em que os governos absolutos caírem, chegará a hora da luta entre os burgueses e os proletários. Desse dia em diante, a política partidária dos comunistas será a mesma que naqueles países em que agora domina já a burguesia.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Para a Crítica da Economia Política- Friedrich Engels ,15 de Agosto de 1859

Para a Crítica da Economia Política

Primeiro Fascículo, Berlin, Franz Duncker, 1859

Friedrich Engels

15 de Agosto de 1859


Primeira Edição: Escrito por Engels de 3 a 15 de Agosto de 1859. Publicado no jornal Das Volk, n.º 14 e 16 , de 6 e 20 de Agosto de 1859, respectivamente.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos,
"Avante"
Tradução: José BARATA-MOURA (Publicado segundo o texto do jornal. Traduzido do alemão).
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, agosto 2007.
Direitos de Reprodução:

Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.


I

Em todos os domínios científicos, desde há muito que os alemães demonstraram que estão ao nível das restantes nações civilizadas e, na maior parte deles, que são superiores. Apenas uma ciência não contava com qualquer nome alemão entre os seus corifeus: a Economia Política. A razão é evidente. A Economia Política é a análise teórica da sociedade burguesa moderna e pressupõe, portanto, condições burguesas desenvolvidas, condições que, na Alemanha, desde as guerras da Reforma e dos Camponeses[N275] e, sobretudo, desde a Guerra dos Trinta Anos[N276], não se puderam estabelecer durante séculos. A separação da Holanda do Império[N277] afastou a Alemanha do comércio mundial e reduziu de antemão o seu desenvolvimento industrial às proporções mais mesquinhas; e enquanto os alemães recuperavam tão penosa e lentamente das devastações das guerras civis, enquanto empregavam toda a sua energia cívica — que nunca foi muito grande — na luta estéril contra as barreiras alfandegárias e os regulamentos comerciais loucos que cada príncipe em formato reduzido e cada pequeno barão do Império impunham à indústria dos seus súbditos, enquanto as cidades do Império entravam na decadência dos grémios e do patriciado —, enquanto tudo isto se passava, a Holanda, a Inglaterra e a França conquistavam os primeiros lugares no comércio mundial, estabeleciam colónia atrás de colónia e desenvolviam a indústria manufactureira ao mais alto grau, até que, finalmente, a Inglaterra, por meio do vapor, que só então deu valor às suas jazidas de carvão e de ferro, acedeu ao cume do desenvolvimento burguês moderno. Enquanto, porém, foi preciso conduzir uma luta contra uns restos tão ridiculamente antiquados da Idade Média como aqueles que entravaram até 1830 o desenvolvimento burguês material da Alemanha, nenhuma Economia Política alemã foi possível. Somente com o estabelecimento do Zollverein[N165] ficaram os alemães em situação de poderem quando muito apenas entender a Economia Política. A partir desse tempo, começou de facto a importação da Economia inglesa e francesa para proveito da burguesia alemã. Em breve os círculos científicos e a burocracia se apoderaram da matéria importada e trabalharam-na de uma maneira não muito digna do crédito do "espírito alemão". Da misturada de cavaleiros de indústria literatos, de comerciantes, pedantes e burocratas, gerou-se, então, uma literatura económica alemã que, quanto a sensaboria, falta de profundidade e de ideias, prolixidade e plágio, só tem par no romance alemão. Entre as pessoas com objectivos práticos, desenvolveu-se primeiro a escola proteccionista dos industriais, cuja autoridade, List, foi ainda o melhor que a literatura económica burguesa alemã produziu, apesar de toda a sua obra gloriosa ter sido copiada do francês Ferrier, criador teórico do sistema continental[N15]. Face a esta orientação, formou-se nos anos quarenta a escola do livre-cambismo dos comerciantes nas províncias do Báltico, que papaguearam os argumentos dos free-traders[N148] ingleses com uma fé pueril, mas interessada. Por fim, entre os pedantes e burocratas que tiveram de ocupar-se do lado teórico da disciplina, havia áridos coleccionadores de herbários sem crítica, como o senhor Rau, especuladores que a armar ao esperto traduziam as proposições estrangeiras num Hegelíano mal digerido, como o senhor Stein, ou respigadores beletriantes no domínio "histórico-cultural", como o senhor Riehl. O que acabou por sair daqui foi a Cameralística[N278], um puré de toda a espécie de coisas estranhas, regado com um molho económico ecléctico, do tipo do que um licenciado em direito precisa de saber para o exame de Estado.

Enquanto, deste modo, a burguesia, o pedantismo académico e a burocracia, na Alemanha, ainda tinham dificuldade em aprender de cor e em clarificar em alguma medida os primeiros elementos da economia anglo-francesa como dogmas intangíveis, fazia a sua aparição o partido proletário alemão. Toda a sua existência teórica resultava do estudo da Economia Política e do instante do seu aparecimento data também a Economia alemã científica, autónoma. Esta Economia alemã repousa essencialmente sobre a concepção materialista da história, cujos traços fundamentais são expostos brevemente no prefácio da obra atrás citada(1*). Quanto ao principal, este prefácio foi já reproduzido em Das Volk[N279], pelo que para ele remetemos. Não apenas para a Economia, mas para todas as ciências históricas (e são históricas todas as ciências que não são ciências da natureza), foi uma descoberta revolucionária esta proposição: "O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual"; todas as relações sociais e do Estado, todos os sistemas religiosos e jurídicos, todas as visões teóricas, que emergem na história, só podem, então, ser compreendidas se as condições de vida materiais da época correspondente forem compreendidas e se as primeiras forem derivadas destas condições materiais. "Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência." A proposição é tão simples que teria de ser evidente para quem não esteja preso nas malhas do logro idealista. A coisa tem, porém, as mais altas consequências revolucionárias, não apenas para a teoria, mas também para a prática: "Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas,com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura. [...] As relações de produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais de vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo."(2*) A perspectiva de uma poderosa revolução, da revolução mais poderosa de todos os tempos, abre-se, portanto, perante nós, desde logo, com a prossecução da nossa tese materialista e com a sua aplicação ao presente.

Considerando, porém, as coisas mais de perto, verifica-se logo também que a proposição de aparência tão simples como a de que a consciência dos homens depende do seu ser e não inversamente contunde directamente, logo nas suas primeiras consequências, todo o idealismo, mesmo o mais dissimulado. Todas as visões tradicionais e habituais acerca de tudo o que é histórico são por ela negadas. Todo o modo tradicional do raciocínio político cai por terra; toda a patriótica nobreza de alma se levanta indignada contra uma concepção tão desprovida de carácter. A nova maneira de ver choca, portanto, necessariamente, não apenas os representantes da burguesia, mas também a massa dos socialistas franceses que querem levantar o mundo dos gonzos com a fórmula mágica liberte, égalité, fraternité(3*). Causou, porém, o mais consumado furor entre os vociferadores democratas vulgares alemães. Apesar disso, procuraram de preferência explorar as novas ideias, plagiando-as, embora com rara incompreensão.

O desenvolvimento da concepção materialista, mesmo sobre um único exemplo histórico, era um trabalho científico que teria exigido um estudo tranquilo durante anos, pois é evidente que, nesta matéria, nada se pode fazer com simples frases, que só um material histórico em massa, criticamente considerado e completamente dominado, pode habilitar para a solução de uma tal tarefa. A revolução de Fevereiro lançou o nosso partido na cena política e tornou-lhe, assim, impossível a prossecução de fins puramente científicos. Apesar disso, esta visão fundamental atravessa como fio condutor todas as produções literárias do partido. Em todas elas, em cada caso sempre se prova como a acção todas as vezes brotou de impulsos materiais directos, e não das frases que os acompanhavam e como, pelo contrário, as frases políticas e jurídicas saíram dos impulsos materiais tal como a acção política e os seus resultados.

Quando, depois da derrota da revolução de 1848/1849, houve um momento em que a acção sobre a Alemanha a partir do estrangeiro se tornava cada vez mais impossível, o nosso partido abandonou o terreno das disputas de emigração — pois essa era a única acção possível — à democracia vulgar. Enquanto esta se agitava à saciedade, andando hoje à pancada para amanhã confraternizar e depois de amanhã, novamente, lavar toda a roupa suja diante de toda a gente, enquanto ela ia por toda a América pedir esmola para, logo de seguida, armar um novo escândalo acerca da repartição dos tostões apanhados — o nosso partido ficou contente por, de novo, encontrar alguma calma para estudar. Tinha a grande vantagem de ter uma nova visão científica como base teórica, cuja elaboração lhe dava suficientemente que fazer; logo por isso nunca podia descer tão baixo como os "grandes homens" da emigração.

O primeiro fruto destes estudos é o livro que temos diante de nós.


II


Num escrito como este não se pode tratar de uma mera critica desultória de capítulos isolados da Economia, do tratamento separado desta ou daquela questão económica polémica. Ele visa antes, desde logo, uma visão de conjunto sistemática de todo o complexo da ciência económica, um desenvolvimento coerente das leis da produção burguesa e da troca burguesa. Como os economistas não são mais do que os intérpretes e os apologistas destas leis, este desenvolvimento é, ao mesmo tempo, a crítica de toda a literatura económica.

Desde a morte de Hegel quase nenhuma tentativa foi feita para desenvolver uma ciência no seu próprio encadeamento interno. Da dialéctica do mestre, a escola hegeliana oficial tinha-se apropriado apenas da manipulação dos artifícios mais simples, que aplicava a toda e qualquer coisa e, frequentemente ainda, com uma ridícula falta de jeito. Todo o legado de Hegel se limitava, para ela, a um puro chavão, com a ajuda do qual cada tema era construído de uma forma apropriada, e a um índice de palavras e de maneiras de dizer que não tinham qualquer outro fim do que estarem presentes no momento certo em que as ideias e os conhecimentos positivos faltassem. Aconteceu, assim, que, tal como um professor de Bona disse, estes hegelianos não percebiam nada de nada, mas podiam escrever sobre tudo. E certamente assim era. No entanto, estes senhores, apesar da sua suficiência, tinham, contudo, uma tal consciência da sua debilidade que se mantinham o mais possível afastados das grandes tarefas; a velha e antiquada ciência conservava o seu terreno, em virtude da sua superioridade em saber positivo; e só quando Feuerbach despediu o conceito especulativo é que a hegelianice se foi gradualmente apagando e pareceu que o império da velha metafísica com as suas categorias fixas tinha começado de novo na ciência.

A coisa tinha o seu fundamento natural. Ao regime dos Diádocos[N280] de Hegel, que se tinha perdido em pura fraseologia, seguia-se naturalmente uma época em que o conteúdo positivo da ciência prevalecia de novo sobre o seu lado formal. A Alemanha, porém, lançava-se também ao mesmo tempo com uma energia deveras extraordinária para as ciências da natureza, correspondendo ao poderoso desenvolvimento burguês desde 1848; e com o tornar-se moda destas ciências, em que a tendência especulativa nunca tinha alcançado qualquer valor significativo, a velha maneira metafísica de pensar, inclusive a banalidade wollfiana mais extrema, propagou-se de novo. Hegel tinha desaparecido, desenvolvera-se o novo materialismo das ciências da natureza que, teoricamente, em quase nada se distingue do do século XVIII e que, na maioria dos casos, só tem a vantagem de um material científico-natural mais rico, designadamente químico e fisiológico. Reproduzido até à mais extrema banalidade encontramos o tacanho modo de pensar filisteu do período pré-kantiano de Büchner e de Vogt, e mesmo de Moleschott, que jura por Feuerbach e a cada instante se perde, do modo mais divertido, entre as categorias mais simples. A pileca ancilosada do entendimento quotidiano burguês estaca naturalmente embaraçada perante o fosso que separa a essência do fenómeno, a causa do efeito; mas, quando se vai à caça a cavalo com galgos, no terreno muito acidentado do pensamento abstracto, precisamente, de modo algum, se pode montar uma pileca.

Havia, portanto, aqui uma outra questão para resolver, que não tinha nada a ver com a Economia Política em si. Como tratar da ciência? De um lado, encontrava-se a dialéctica de Hegel, na forma "especulativa", completamente abstracta, em que Hegel a tinha deixado; do outro lado, o método ordinário, essencialmente metafísico-wollfiano, agora novamente na moda, segundo o qual os economistas burgueses tinham escrito os seus grossos livros falhos de coerência. Este último tinha sido de tal modo teoricamente aniquilado por Kant e, sobretudo, por Hegel, que só a inércia e a falta de um outro método simples puderam tornar possível a sua persistência prática. Por outro lado, na sua forma presente, o método de Hegel era absolutamente inutilizável. Ele era essencialmente idealista, e aqui tratava-se de desenvolver uma visão do mundo que era mais materialista do que todas as anteriores. Ele partia do pensamento puro, e aqui devia partir-se dos factos mais obstinados. Um método que, segundo o seu próprio testemunho, "de nada através de nada chegava a nada"[N281], não estava, nesta [sua] forma, de modo algum, no lugar [certo]. Apesar disso, de entre todo o material lógico actual, era o único fragmento a que ao menos se podia ligar. Não tinha sido criticado, não tinha sido superado; nenhum dos adversários do grande dialéctico tinha podido abrir uma brecha no seu glorioso edifício; tinha desaparecido, porque a escola de Hegel não tinha sabido agarrá-lo. Antes do mais, tratava-se, portanto, de submeter o método de Hegel a uma crítica eficaz.

O que distinguia o modo de pensar de Hegel do de todos os outros filósofos era o enorme sentido histórico que lhe estava subjacente. Por abstracta e idealista que fosse a forma, o desenvolvimento do seu pensamento não deixava de ir sempre em paralelo com o desenvolvimento da história universal, e esta última, propriamente, não deverá ser senão a prova do primeiro. Ainda que, por este facto, a relação correcta tenha sido também invertida e posta de pernas para o ar, o seu conteúdo real penetrou, contudo, por todo o lado, na filosofia; tanto mais que Hegel se diferenciava dos seus discípulos em que não se gabava, como eles, da sua ignorância, mas era uma das cabeças mais sábias de todos os tempos. Foi ele o primeiro a procurar mostrar um desenvolvimento, um encadeamento interno, na história e, por estranha que agora muita coisa na sua filosofia da história nos possa parecer, a grandiosidade da própria visão fundamental é ainda hoje digna de admiração, quando se lhe comparam os seus predecessores ou mesmo aqueles que depois dele se permitiram reflexões universais sobre a história. Na Fenomenologia, na Estética, na História da Filosofia, por toda a parte perpassa esta grandiosa concepção da história e, por toda a parte, a matéria é tratada historicamente, numa conexão determinada, ainda que também abstractamente distorcida, com a história.

Esta concepção da história que fez época foi o pressuposto teórico directo da nova visão materialista e, já por este facto, fornecia também um ponto de partida para o método lógico. Se esta dialéctica desaparecida, a partir da posição do "pensamento puro", tinha conduzido já a semelhantes resultados, se, além disso, tinha acabado, como que a brincar, com toda a lógica e a metafísica anteriores, tinha em todo o caso de haver nela mais do que sofística e bizantinice. Mas a crítica deste método, perante a qual toda a filosofia oficial tinha recuado e recua ainda, não era coisa de pouca monta.

Marx era, e é, o único que podia entregar-se ao trabalho de tirar da casca da lógica hegeliana o núcleo que encerra as descobertas reais de Hegel neste domínio e de restabelecer o método dialéctico, despido das suas roupagens idealistas, na forma simples em que ele se torna a única forma correcta de desenvolvimento do pensamento. Consideramos a elaboração do método que está na base da crítica de Marx à Economia Política como um resultado que, pelo seu significado, em quase nada é inferior à visão materialista fundamental.

Mesmo depois de adquirido o método, a crítica da Economia podia ainda ser abordada de duas maneiras: historicamente ou logicamente. Como na história, tal como no seu reflexo literário, o desenvolvimento, a traços largos, progride das relações mais simples para as mais complicadas, o desenvolvimento histórico-literário da Economia Política fornecia um fio condutor natural a que a crítica se podia ligar e, a traços largos, as categorias económicas apareceriam na mesma ordem do que o desenvolvimento lógico. Esta forma tem aparentemente a vantagem de uma maior clareza, pois, assim, segue-se o desenvolvimento real; de facto, porém, no máximo tornar-se-ia apenas mais popular. A história procede frequentemente por saltos e em ziguezague e, se houvesse que segui-la ao mesmo tempo por toda a parte, teria não apenas de recolher muito material de pouca importância, como também o curso do pensamento teria frequentemente que ser interrompido; além disso, não se poderia escrever a história da economia sem a da sociedade burguesa e, deste modo, o trabalho tornar-se-ia infindável, uma vez que faltam os trabalhos preparatórios. Portanto, o modo lógico de tratamento era o único que estava no seu lugar. Este [modo], porém, não é de facto senão o histórico, despido apenas da forma histórica e das casualidades perturbadoras. Por onde esta história começa, por aí tem de começar igualmente o curso do pensamento, e o seu avanço ulterior não será mais do que o reflexo, numa forma abstracta e teoricamente consequente, do decurso histórico; um reflexo corrigido, mas corrigido segundo leis que o próprio decurso histórico real fornece, na medida em que cada momento pode ser considerado no ponto de desenvolvimento da sua plena maturidade, da sua forma clássica.

Com este método, partimos da primeira e mais simples relação que historicamente, facticamente, se nos apresenta — neste caso, portanto, da primeira relação económica com que deparamos. Analisamos esta relação. Pelo facto de que é uma relação, acontece já que tem dois lados que se relacionam um com o outro. Cada um destes lados é considerado por si; decorre daí o modo do seu relacionamento mútuo, a sua acção recíproca. Dar-se-ão contradições que reclamam uma solução. Como, porém, não consideramos aqui um processo de pensamento abstracto, que se passa apenas na nossa cabeça, mas um processo real, que se passou realmente ou ainda se passa num tempo qualquer, estas contradições desenvolveram-se na prática e verosimilmente encontraram [aí] a sua solução. Seguiremos o modo dessa solução e verificaremos que foi causada pela produção de uma nova relação, cujos dois lados contrapostos teremos doravante que desenvolver, etc.

A Economia Política começa com a mercadoria, com o momento em que produtos são trocados por outros, quer por indivíduos quer por comunidades naturais. O produto que entra na troca é mercadoria. Ele só é, porém, mercadoria porque à coisa, ao produto, se liga uma relação entre duas pessoas ou comunidades, a relação entre o produtor e o consumidor, que aqui não mais se encontram unidos na mesma pessoa. Temos aqui, desde logo, um exemplo de um facto peculiar que perpassa toda a Economia e estabeleceu uma lamentável confusão na cabeça dos economistas burgueses: a Economia não trata de coisas, mas de relações entre pessoas e, em última instância, entre classes; estas relações estão, porém, sempre ligadas a coisas e aparecem como coisas. Esta conexão que, em casos isolados, este ou aquele economista, sem dúvida vislumbrou, descobriu-a Marx pela primeira vez no seu valor para toda a Economia e, por esse facto, tornou as questões mais difíceis de tal modo simples e claras que agora mesmo os economistas burgueses as poderão compreender.

Se considerarmos agora a mercadoria segundo os seus vários aspectos e, designadamente, a mercadoria tal como se desenvolveu completamente, e não tal como ela só penosamente se desenvolve no comércio de troca natural de duas comunidades primitivas, ela apresenta-se-nos sob os dois pontos de vista de valor de uso e de valor de troca; e entramos aqui, de pronto, no domínio do debate económico. Quem quiser ter um exemplo flagrante de como o método dialéctico alemão, no seu estádio actual de formação, é superior ao antigo [método] metafísico, chão e politiqueiro, pelo menos tanto como os caminhos-de-ferro o são relativamente aos meios de transporte da Idade Média, leia, em Adam Smith ou em qualquer outro economista oficial de nomeada, que suplícios o valor de troca e o valor de uso causaram a estes senhores, como se torna para eles difícil distingui-los ordenadamente e apreender cada um deles na sua própria determinatez [Bestimmtheit], e faça a comparação com o desenvolvimento simples e claro de Marx.

Ora, uma vez desenvolvidos o valor de uso e o valor de troca, a mercadoria é apresentada como unidade imediata de ambos, tal como entra no processo de troca. Que contradições é que aqui se dão pode ler-se nas páginas 20-21(4*). Observamos apenas que estas contradições não têm só um interesse teórico, abstracto, mas que reflectem, ao mesmo tempo, as dificuldades provenientes da natureza da relação de troca imediata, do comércio de troca simples, as impossibilidades a que necessariamente chega esta primeira forma grosseira de troca. A solução destas impossibilidades encontra-se no facto de a propriedade de representar o valor de troca de todas as outras mercadorias ser transposta para uma mercadoria especial — o dinheiro. O dinheiro, ou a circulação simples, é, então, desenvolvido no segundo capítulo e, designadamente: 1. o dinheiro como medida dos valores, pelo que, então, o valor medido em dinheiro, o preço, recebe a sua determinação mais aproximada; 2. como meio de circulação, e 3. como unidade de ambas as determinações como dinheiro real, como representante de toda a riqueza material burguesa. Com isto termina o desenvolvimento do primeiro fascículo, reservando-se o segundo para a passagem do dinheiro a capital.

Vê-se como com este método o desenvolvimento lógico não precisa de se manter no domínio puramente abstracto. Pelo contrário, ele requer a ilustração histórica, o contacto contínuo com a realidade. Estes elementos de referência são inseridos, portanto, também com grande diversidade e, designadamente, tanto as alusões ao decurso histórico real em diferentes estádios do desenvolvimento social como à literatura económica, em que, desde o princípio, se procura a elaboração clara das determinações das relações económicas. A crítica dos modos singulares mais ou menos unilaterais ou confusos de conceber [a matéria], no essencial, está já dada, então, no próprio desenvolvimento lógico e pode ser brevemente exposta.

Num terceiro artigo, entraremos no conteúdo económico do próprio livro[N274].

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Notas de rodapé:

(1*) Ver o presente tomo, pp. 529-533. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) Ver o presente tomo, pp. 530-531. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Em francês no texto: liberdade, igualdade, fraternidade. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) Ver Karl Marx, Para a Crítica da Economia Política. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de Fim de Tomo:

[N5] Diádocos: generais de Alexandre Magno que, após a sua morte, iniciaram uma aguda luta entre si pela conquista do poder. No decurso desta luta (fim do século IV e início do século III antes da nossa era) a monarquia de Alexandre, que constituía em si mesma uma união militar-administrativa sem solidez, dividiu-se numa série de Estados separados. (retornar ao texto)

[N15] Sistema continental ou bloqueio continental: proibição, imposta em 1806 por Napoleão I aos países do continente europeu, de comerciarem com a Inglaterra. O bloqueio continental caiu após a derrota de Napoleão na Rússia. (retornar ao texto)

[N148] Free-traders (livre-cambistas): partidários da liberdade de comércio e da não intervenção do Estado na vida económica. Nos anos 40-50 do século XIX os livre-cambistas constituíram um agrupamento político à parte, que posteriormente entrou para o Partido Liberal. (retornar ao texto)

[N165] Zollverein (União Aduaneira), fundada em 1834 sob os auspícios da Prússia. Agrupava quase todos os Estados alemães; estabelecendo uma fronteira alfandegária comum, facilitou a futura unificação política da Alemanha. (retornar ao texto)

[N274] Este artigo de Engels é uma recensão do livro de K. Marx Para a Crítica da Economia Política. Engels caracteriza-o como eminente conquista científica do partido proletário e importante etapa da elaboração da concepção científica proletária do mundo. A recensão ficou por acabar. Publicaram-se apenas as duas primeiras partes. A terceira parte, na qual Engels se propunha fazer uma análise do conteúdo económico do livro, não apareceu impressa devido à suspensão do jornal; o manuscrito não foi encontrado. (retornar ao texto)

[N275] Reforma: vasto movimento contra a Igreja Católica que conquistou muitos países europeus no século XVI. Na maioria dos países o movimento da Reforma foi acompanhado por grandes batalhas de classe; a guerra camponesa de 1524-1525 na Alemanha decorreu sob a bandeira ideológica da Reforma. (retornar ao texto)

[N276] Guerra dos Trinta Anos (1618-1648): guerra europeia geral suscitada pela luta entre os protestantes e os católicos. A Alemanha tornou-se o campo principal desta luta e foi objecto da pilhagem militar e das pretensões de conquista dos participantes na guerra. (retornar ao texto)

[N277] Entre 1477 e 1555 a Holanda fez parte do Sacro Império Romano-Germânico; depois da dissolução deste caiu sob o domínio da Espanha. Em resultado da revolução burguesa do século XVI a Holanda libertou-se do domínio espanhol e tornou-se uma república burguesa independente. (retornar ao texto)

[N278] Cameralística: sistema de disciplinas administrativas, financeiras, económicas e outras ensinadas nas universidades medievais, e mais tarde também nas universidades burguesas, de vários países da Europa. (retornar ao texto) (retornar ao texto)

[N279] Das Volk (O Povo): jornal publicado em língua alemã em Londres de 7 de Maio a 20 de Agosto de 1859 com a participação directa de Marx; no início de Julho tornou-se de facto seu redactor. (retornar ao texto)

[N280] Aqui, alusão irónica aos hegelianos de direita que, nos anos 30-40 do século XIX, ocupavam muitas cátedras em universidades alemãs e que utilizavam a sua posição para atacar os representantes de tendências mais radicais em filosofia. Sobre os diádocos ver a nota 5. (retornar ao texto)

[N281] Ver Wissenschaft der Logik, Teill, Abt. 2 (Ciência da Lógica, de Hegel, primeira parte, secção 2). (retornar ao texto)